
Há tempos, li num semanário um artigo de um economista (Daniel Amaral) que
alvitrava que os salários têm de baixar, se quisermos que a economia ganhe
competitividade, pois são eles os grandes responsáveis pelo encarecimento
dos produtos ou, dito de outro modo, o factor que representa a parte de leão
do seu valor.
Isto que dizia este economista é o que dizem, afinal, quase todos os
economistas, reciclados no neoliberalismo, e entre os quais parece reinar o
mais terrífico consenso, que não abre janelas para nenhuma alternativa. A
solução parece ser a de trilhar irremediavelmente o caminho da inversão dos
valores e dos direitos sociais e económicos em nome dos quais se travaram
tantas lutas e se foi moldando o sonho de uma sociedade mais justa. Os
sindicatos, agora encarados sem pudor nenhum como "forças de bloqueio",
velharias recambiadas para o museu da História, encarniçam-se nos protestos
do costume, na agitação de rua que toda a gente já conhece, greves e coisas
que tais? Isso é a ganga ideológica que subsiste, ou seja, coisa nenhuma.
O que é a ideologia - parecem dizer -, senão uma relíquia do velho mundo,
ópio para endrominar incautos ou crentes sem os pés na terra? De que lhes
vale a crença e que utilidade tem ela? Os investidores, concluía o
economista acima referido, "estão-se nas tintas para a ideologia". "As
ideologias foram arquivadas", sentenciou de forma pitoresca um dos nossos
mais emblemáticos empresários - Belmiro de Azevedo.
Os direitos sociais, económicos e culturais, os "famosos direitos
adquiridos", são, então, ideologia arquivada e arrumada nas prateleiras
poeirentas da História? E o que é a ideologia?, pergunto. A opção pela
"economia de mercado" é uma fatalidade e não uma escolha ideológica? O
"arquivamento das ideologias" ou o "estar-se nas tintas para a ideologia"
não são outras ideologias?
Tãnia Santos
3 comentários:
O caminho liberal é um caminho, um entre outros que se podem escolher. Não o único, certamente, e, certamente, ele próprio, fruto ideológico. Se há “inconsciência” repetida é essa, dizer que as ideologias acabaram. O que acontece, simplesmente, é que essa ideologia-entre-outras, o liberalismo, é hoje largamente dominante no nosso país, na nossa Europa, no nosso Ocidente.
Ouço os Belmiros e companhia com o mesmo ar blasé com que ouço os sindicatos. Falam de interesses, dos seus interesses. Não que isso seja mau (quem não chora não mama) mas porque, no fundo, o que dizem é meramente: “isto era o melhor para mim”. “Para mim”, não “para o país”. Cada um sabe o que é melhor para si e toda a gente sabe pedi-lo ao governo. Uns pedem menos impostos, outros salários mais altos. A leste nada de novo, portanto. Mas o que realmente interessa, mais do que aferir e tentar satisfazer interesses corporativos e sectoriais, o que é realmente importante é encontrar e seguir o caminho para uma sociedade, como um todo, progressivamente mais livre, justa e abundante. Política, portanto. Ideologia, está bom de ver.
Liberdade, Justiça e Abundância são, para mim, os três critérios-base para avaliar uma sociedade. Uma sociedade livre pode ser injusta e pobre, veja-se o México. Uma sociedade “justa” (justiça como igualdade) pode ser opressiva e pobre, veja-se Cuba. Uma sociedade de abundância pode ser opressiva e injusta, veja-se o Dubai. São meros exemplos, como é evidente. Qual será, então, o ponto máximo de optimização conjunta desses três factores? E como se poderá chegar lá? Será através das virtualidades do liberalismo, esse-caminho-entre-outros? É nele que vivemos, e podemos todos chegar à conclusão de que este modelo de sociedade não satisfaz. Unanimidade na sala. Mas a questão é, e aí é que bate o ponto, qual a alternativa? Não queremos este modelo, mas qual é que adoptamos em substituição? Isto, tendo ainda em conta que não estamos num laboratório e que as experiências politico-económicas que se fizerem vão necessariamente ter implicações sérias na vida de todos, que têm legítimas expectativas em relação aos governos e ao estado. Como desatar o nó da insatisfação sem perder o sapato e, depois, como fazer que o pé continue calçado e a caminhar, melhor do que antes, para o desenvolvimento? As respostas, as hipóteses, serão sempre “política”, não, ou não fundamentalmente, “economia”. O que acontece é que a economia pode ser, ou deve ser, um instrumento da política (na acção directa do governo, ou – mais- nas condições que cria). Como disse o Lenine (num singular rasgo de lucidez), “a economia é política concentrada”. Que orientação político-económica quereremos então para atingir aquele objectivo, uno mas trino (isto lembra-me qualquer coisa…)? Será através das virtualidades do liberalismo, continuando grosso modu neste caminho que o conseguiremos? Não faço ideia. Mas penso não estar muito enganado se disser que as sociedades ditas liberais são as que mais se aproximam daquela meta. Mesmo assim, e mais uma vez: qual a alternativa, alternativa exequível e capaz de suplantar os índices liberdade-justiça-abundância do liberalismo?? Acredito que haja, sinceramente. Já se anunciou demasiadas vezes o fim da história e não me apetecia nada engrossar a lista dos profetas enganados. Mas, assim de repente, não estou a ver nenhuma que faça sentido na teoria e tenha resultado na prática, simultaneamente. Se a tese era o capitalismo (selvagem) e a antítese o comunismo (como ditadura-do-proletariado) a síntese veio a ser a social-democracia, seja ela mais à esquerda ou mais à direita. Centrão, versão 1 ou versão 2.. À falta de melhor, é nela que vivemos e esperamos. O Churchill dizia que a democracia era o pior sistema, à excepção de todos os outros. Cito-o, subscrevo-o e acrescento: o “sistema demo-liberal” é o pior sistema, à excepção de todos os outros. É ele o espírito do nosso tempo. Que mudará, como mudaram todos os espíritos de todos os tempos. Mas não antes de os seus contras superarem os seus prós, e não antes de os contras inspirarem ideologias alternativas que sejam sólidas, mobilizadoras e, sobretudo, eficientes. Para o bem e para o mal, esse dia não é já amanhã. Não basta a crítica e a “altivez moral” de quem acha que se pode fazer melhor. É preciso uma direcção concreta, baseada nas coordenadas do quotidiano real. Por ora, o liberalismo é o nosso zeitgeist, há razões para isso. E sê-lo-á até outras razões, hoje difusas, se perfilarem como caminhos não só viáveis como mais capazes de proporcionar, cumulativamente, mais liberdade, justiça e abundância aos povos. O que só acontecerá quando os tempos estiverem maduros. Entretanto, a União Europeia está ainda em botão rosa…
Xiiiii, acho que ja tivemos uma discussão parecida no outro dia, parece-me... Es muito radical Ivo, e eu tambem, mas no total oposto...
Enviar um comentário